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Câncer de mama

Nenhuma doença assusta as mulheres tanto quanto o câncer de mama. Embora a probabilidade de uma mulher de 60 anos sofrer ataque cardíaco ou derrame cerebral seja muito maior, o fantasma de um nódulo maligno no seio tem efeito desproporcionalmente devastador, por estar ligado à ideia de mutilação, à interferência com a sexualidade e ao medo da morte.

Diagnosticado nas fases iniciais, entretanto, tumores mamários malignos são curáveis em mais de 90% dos casos, índice de fazer inveja a muitas doenças consideradas benignas. Infelizmente, o mesmo não acontece nas fases mais avançadas.

Em 2004, o Ministério da Saúde criou um programa de diagnóstico precoce, com ênfase no autoexame e na mamografia.

Um grupo de brasileiros das universidades Estadual do Rio de Janeiro, Federal da Bahia e da London School, liderados por Isabel dos Santos Silva e Bianca De Stavola, acaba de publicar na revista The Lancet uma pesquisa que avaliou os resultados desse programa.

Em números arredondados, os principais achados foram os seguintes:

1) No período de 2001 a 2014, ocorreram cerca de 247 mil casos no Brasil. A média de idade ao receber o diagnóstico foi de 55 anos.

2) A prevalência da doença diagnosticada já em fases avançadas atingiu 40%. Nas mulheres negras e nas brancas com pouca ou nenhuma escolaridade formal chegou a 49%, número que caiu para 29% nas brancas com diploma universitário.

3) Somente 27% dos diagnósticos foram feitos em tumores com 2 cm ou menos, tamanho a partir do qual geralmente se tornam palpáveis. Lesões maiores do que 5 cm foram encontradas em 15% das pacientes.

4) A incidência de câncer de mama entre nós é de 59 casos por 100 mil habitantes, número que na Noruega chega a 73 e nos Estados Unidos a 92.

5) Apesar da incidência mais baixa, nossa mortalidade pela doença é equivalente à deles: 14 óbitos em cada 100 mil habitantes versus 15 nos Estados Unidos e 12 na Noruega.

6) Desde 1979, a mortalidade por câncer de mama tem aumentado em todas as faixas etárias, em contraste com o decréscimo ocorrido a partir da década de 1990 nos países de renda mais alta.

7) Embora as brasileiras com nível universitário formem o grupo com prevalência mais baixa de casos avançados, os diagnósticos tardios entre elas são mais frequentes do que entre as norueguesas diagnosticadas na década de 1970, anos antes da introdução da mamografia naquele país.

Estudos internacionais demonstraram que atrasos de três meses ou mais, no tempo decorrido entre a instalação dos primeiros sintomas e o diagnóstico, estão associados a aumento da mortalidade. Nos Estados Unidos esse intervalo costuma ser menor do que 30 dias; no Brasil, a média é de sete a oito meses.

Essa é a principal razão pela qual a implantação de programas públicos, para identificar a doença em fases precoces, reduziu a mortalidade nos países mais ricos, enquanto entre nós o impacto foi insignificante.

A mulher pobre que palpa um nódulo no seio ou tem uma lesão suspeita detectada na mamografia percorre uma via-crúcis, no melhor estilo cristão. Leva tempo para conseguir uma consulta médica. Semanas para fazer a biópsia.

O resultado do exame anatomopatológico às vezes demora um mês ou mais. O encaminhamento para os exames pré-operatórios e para a cirurgia em hospitais públicos sobrecarregados é um drama a parte.

Nos casos em que a quimioterapia é essencial, a peregrinação pelos poucos serviços existentes no SUS pode ser quase eterna. Se houver necessidade de radioterapia, bem pior.

Nas regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos é preciso muita reza para cumprir essas etapas.

Num serviço de mastologia privado, de boa qualidade, a biópsia é marcada para o dia seguinte, o resultado sai em 48 horas, no máximo, os exames pré-operatórios são feitos no mesmo dia e a cirurgia é marcada. Se estiver indicada, a quimioterapia começa assim que a incisão cirúrgica cicatrizar. Não existe fila para radioterapia.

Você lamentará a falta de recursos financeiros do SUS para oferecer o mesmo tratamento, caríssima leitora. Mas o sistema público gastará muito mais para tratar doentes com tumores disseminados, que exigirão internações hospitalares e tratamentos complexos.

Há anos, nós, médicos, insistimos para as mulheres fazerem mamografia com regularidade. Se depois lhes dificultamos o acesso ao tratamento, adianta?

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