Troca-troca
Flávia Flores não ficou satisfeita e teve um estalo. Ela, produtora de moda de Florianópolis, estava cansada da rotina fashion “por achar tudo muito fútil”. Mas, quase por ironia do destino, foi nos acessórios que encontrou um mote para superar o tumor mais numeroso entre mulheres brasileiras: são 52 mil novos casos por ano, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Ela decidiu então trocar as informações virtuais dispersas sobre a graviola, por aquilo que estava perdido na nécessaire e no armário. Tratou de buscar o batom, blush, base, lenços coloridos e perucas divertidas.
“Fiz uma página no Facebook com dicas práticas para mulheres com câncer de mama que, assim como eu, não querem abrir mão da vaidade neste processo de enfrentamento da doença”, diz ela sobre o endereço eletrônico ‘Quimioterapia e Beleza’ criado há três meses. Até a última semana, a página já colecionava mais de 15 mil seguidores.
Montanha russa
O alerta para Flávia veio durante o banho. O carocinho no seio esquerdo chamou a atenção, mas não causou desespero. Jovem, sem casos de câncer na família, ela mantinha hábitos saudáveis, com exercícios e dieta adequada. Nada indicava estar no alvo do câncer. Fez o exame de ultrassom e a mamografia sem peso na consciência. Descobriu por meio dos exames que estava na hora de trocar a prótese de silicone colocada havia dez anos. Marcou a cirurgia plástica e, por cautela, tirou o nódulo para avaliação da biópsia.
“Não era medo de morrer que aquela notícia me trazia. Era uma sensação de perder o domínio do corpo. E pode parecer besteira, mas temi pelos meus cabelos."
Quinze dias depois, ao ouvir do oncologista e do cirurgião plástico que aquela ondulação mamária era um tumor maligno, e que seria necessário tirar as duas mamas devido ao estágio avançado da doença, Flávia Flores caiu no chão do consultório.
“Minha vida sempre seguiu trilhos de montanha russa. Quando tinha 12 anos, meus pais se separaram. Aos 14, engravidei e virei mãe enquanto só pensava em andar de patins. Aos 20, fui estudar na Califórnia e acabei deportada, por falta de visto. Aos 30, meu casamento de seis anos terminou. Agora, aos 35, o diagnóstico de uma doença tão cruel”, pontua sobre as fases baixas da vida.
“Não era medo de morrer que aquela notícia me trazia. Era uma sensação de perder o domínio do corpo. Seria mutilada... E pode parecer besteira, mas temi pelos meus cabelos”, diz citando os fios castanhos naturais, crescidos até a cintura e volumosos, a marca registrada desde adolescente.
Era certo que, em algum momento durante as 20 sessões de quimioterapia prescritas para começarem no início de dezembro de 2012, a cabeleira cairia. “Não sabia o que fazer”, rememora.
Flávia então chorou. Por 10 dias. Sozinha, só com o apoio da mãe e do filho Gregório, já homem com 20 anos. Os amigos e outros parentes haviam desaparecido "por não saberem lidar com a minha doença", avalia.
A força da beleza
Flávia cansou do novo baixo da vida. Atentou que estava na hora do carrinho da montanha russa pegar o embalo necessário para a subida. Já havia feito duas sessões de quimioterapia e ficou com vontade de dizer aos quatro cantos que estava viva, queria passear, sair com as amigas, paquerar, ver o mar.
Para isso, precisava sair de casa. “Só que por mais disposta que eu estivesse, a quimioterapia fragiliza demais. Estava pálida, cabelos ralos, enjoada, sem cílios. Quis ficar bonita. Corri para internet. Encontrei a graviola”, diz rindo.
Mistura
Aos críticos que consideram a mistura de beleza e quimioterapia uma alquimia improvável como suco de graviola e câncer, Flávia Flores responde com a própria experiência.
“Não há como vencer o câncer de mama sem autoestima”, diz enquanto realça os olhos com sombra escura e passa rímel preto nos cílios postiços - um de seus toques sugeridos para combinar com a careca e driblar a queda de todos os pelos do corpo, sequela do tratamento que aos poucos é vencida.
“Eu me sinto muito mais forte e disposta depois que voltei a olhar o espelho com ternura e a cuidar de mim. Ainda tenho um ano inteiro de quimioterapia pela frente. Mas estou com força total. Meus exames confirmam isso”, diz ao retocar o batom, finalizando a produção para encontrar os amigos e o novo namorado no bar.
Fonte: Delas
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